segunda-feira, 20 de março de 2017

Alguém me contou... Sobre o Sr. do carro negro




Negro, estatura mediana, 50 anos, gostava de vestir-se de branco, pensava combinar melhor com seu belo fusca.   
Assim como a maioria da sua idade, possua mulher e filhos.  Era um homem de bem, sem beber, é claro. 
Final de semana, muita bebida, promiscuidade, brigas, discussões, espancamentos, a cada passo reto, cinco eram cambaleando, até chegar no seu tão querido, fusca preto.
Apesar de ama-lo, sua mulher e filhos não suportava mais. Todo fim de semana era sempre o mesmo: Lá se ia pela manhã bem cedo, enchia uma cara e volta por volta de uma hora da madrugada, era o maior alvoroço. Após exigir comida a sua mulher, após sempre acabava sendo travada uma luta de corpo com o filho que, apesar de 18 anos e as intensões nobre em salvar mãe e irmã, acabava sempre levando aquela surra do pai.
Achando pouco, corria em alta velocidade pela vizinhança, noite a dentro, buzinando. Chegara diversas vezes a atropelar quem estivesse em seu caminho, derrubando, sem prestar nenhum socorro. Não precisava. Com seu fusca na mão e a bebida na mente, ele era o rei, ou pelo menos era assim que se sentia.
Sua mulher rezava sempre por ele, tinha esperança em ter de volta o homem com quem se casou ou quem sabe ao menos, aquele homem que o mesmo era ao ficar sem beber.
Um dia, após uma brutal surra, atípica de todas as outras, coração amargurado, boca sangrando, olhos fechados tamanho o inchaço, filhos ao chão também machucados, mais a dor deles era muito mais da alma do que no físico, ela profetizou:
"Um dia aquilo que tu tanto amas, seu fusca, ainda vai te matar."
Nesse momento um sopro forte passou assoviando, como que, para confirmar o que a mulher dizia, fazendo todos ficarem por um instante alheios a mais uma tragedia familiar daquele dia.
O tempo passou e nada mudou, piorava a cada dia. Sexta-feira, 24 de Junho de 1959. Ele saíra e executava seu ritual costumeiro em casa, partindo em seguida, em direção ao carro.
Buzinas, gritos, alta velocidade, e até mesmo, mais um atropelo, rua vazia, apenas a madrugada e um cadáver como companhia, um? Ou não será melhor dizendo, dois?
Fora tudo muito rápido, em fração de segundos, após atropelar um rapaz que vinha embriagado, cantando alegre enquanto voltava para casa, ele correu depressas, acelerou, mais do que de costume, parecia sentir prazer ao avistar o pavor nos olhos de todos que ficavam com a morte na sua frente, enquanto olhava para trás, para os gritos de socorro.
Poste a frente, batida inevitável...
"Zé porque você não vende esse fusca filho..."
"Nunca! Ele é meu, não o abandonarei jamais, nem depois de morrer.
Ta doida mulher? Nunca se desfaçam dele."

E assim foi.
Seu Zé nem viu o que o atingira, quando seu fusca colidiu em cheio com o poste, seu corpo voara numa velocidade monstruosa, estranhamente sua cabeça fora separada do corpo para direita. De plateia apenas todas as almas das vidas que ele e o seu carro tirou.

E como prometera, todos os dias anos em que o dia 24 de Junho, data de sua morte, as 1:00 da madrugada, em uma sexta-feira, não há uma só alma viva naquela cidade que não assista o Seu Zé passar buzinando, gritando, correndo com o seu velho e querido carro negro.
Até hoje, tem quem diga que o ver por aí, misturando-se entre todos, na companhia daqueles que levou, aproveitando a festa.


Lindaiá Campos

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