Lá estava eu, em um dos meus lugares
favoritos, quando ouvi um vendedor gritar para uma senhora: “O Escravo de
Capela está esgotado, senhora, e sem previsão de chegada. Sugiro que solicite
pelo site para que a mesma possa acompanhar. Nós não temos previsão de quando
chegará esse livro de novo aqui na Saraiva”.
1 - Com uma construção fantástica e
emocionante, baseados em registros históricos, uma recontação de uma de nossas
lendas mais famosas, como se sente, Marcos, com todo esse sucesso do Escravo de
Capela? Deve está muito orgulhoso, você imaginou isso, essa repercussão toda, o
retorno que vem lhe trazendo?
R: Em primeiro lugar, super obrigado
pelos elogios ao livro. A gente sempre torce para que um trabalho atinja o maior
número possível de pessoas, porém eu não tinha certeza se conseguiria porque o
tema da escravatura é muito delicado. O leitor mais desavisado pode achar que é
um romance histórico monótono que se passa em uma das épocas mais cruéis da
nossa História, quando, na verdade, é um terror bem sombrio que usa o mal da
escravatura como combustível para uma rebelião sobrenatural. Eu tenho bastante
orgulho desse livro e acho que a aceitação dos leitores foi reflexo dessa minha
confiança de ter criado algo interessante com elementos da nossa cultura e
passado trágico.
2-Conte-nos um pouco sobre a
construção dessa obra, da onde surgiu a ideia, um extra dessa construção
excelente. E pretende fazer um longa dele? Me peguei imaginando um filme e
ficaria muito legal.
R: Alguns leitores acham que o ponto
de partida foi repaginar uma das nossas principais lendas de maneira mais
adulta, resgatando o horror original que existia nos nossos personagens
mitológicos, no entanto minha intenção inicial foi contar uma história sobre
vingança e superação. Ambientei a trama no Brasil colônia e coloquei a
escravatura como tema principal. Pesquisei muito sobre os costumes da época,
sobre as fazendas de cana, o comportamento dos Senhores de Engenho e como
viviam os escravos nas senzalas. A ideia de um rapaz que voltaria após ser
morto surgiu naturalmente por causa da mina inclinação para o terror. E o modo
como ele seria morto me trouxe a ideia de usar a lenda do Saci. A partir disso,
novas pesquisas foram feitas e o enredo ganhou mais força, tornando-o essa
releitura folclórica.
Interessante você mencionar o livro
como filme porque ele foi escrito originalmente como longa-metragem. O projeto
já existe, com elenco sugerido, roteiro e orçamento prontos. Estamos tentando,
mas não é muito fácil por causa do valor para realizá-lo e a duração. Para
adaptar o livro todo, precisaria de uma série ou um filme de quase 3 horas. E a
preferência do mercado é por longas com até 90 minutos.
3-Você pretende continuar recontando
lendas do nosso folclore, trazendo um pouco mais sobre um Brasil no qual nem
todos conhecem, ou trata-se apenas de um volume único?
R: Eu nunca escrevo uma história
pensando em continuações ou partes de uma coleção. Gosto de me dedicar
inteiramente a o que estou escrevendo para atingir um resultado que eu goste.
Como "O Escravo de Capela" não partiu da ideia de repaginar os mitos
nacionais, quando eu encontrar algum outro personagem folclórico que se encaixe
perfeitamente em uma, trama talvez isso possa acontecer de novo. Por enquanto
não tenho essa pretensão. No entanto, meu primeiro romance, "À Sombra da
Lua", também é sobre uma criatura mitológica: o lobisomem. Considero-os
"livros irmãos" porque ambos são de época, com o mesmo estilo de
trama, de escrita e também repagina o imaginário popular para torná-lo mais
verossímil.
4-Akili, Sabola, Fazenda Capela,
enfim; onde começa e termina ficção e fatos reais propriamente ditos? Fiquei
refletindo muito sobre isso ao termino
da leitura.
R: Propósito atingido! Rs. Eu quis
mesmo escrever de maneira que deixasse os leitores em dúvida sobre o que foi
criado e o que poderia ter, de fato, existido. Essa é uma das vantagens de
ambientar bem uma história, com informações verdadeiras da época na qual ela se
passa. Todo o cenário social e político no livro é real. O Brasil estava
dependente de Portugal, a cana era o principal produto de exportação e nosso
país estava longe dos outros na questão da abolição da escravatura. Eu coloquei
vários desses discursos na boca dos personagens, sem jamais me afastar da
trama. Conseguir mesclar informações verídicas com a ficção, de um jeito que
elas não incomodem o enredo, é um bom modo de trazer essa sensação no leitor. O
que criei foram os relacionamentos entre personagens e história de cada um,
inclusive as do Akili e do Sabola. Para eles, fui atrás das mais diversas
lendas que existem sobre o Saci, tanto as indígenas, como as africanas e
portuguesas, e inventei uma que soasse mais crível. Uma que realmente poderia
ter existido.
5-Inclusive, galera, no livro alguns
capatazes da fazenda apelidavam o Akili, de “Preto Velho”; trata-se do preto
velho retratado na religião africana? Olha que daria uma boa continuação,
rssrsrsrs. Fale mais detalhadamente desse personagem em especial, assim como
tantos outros no qual não irei citar para que não acabe dando spoiler. Já
pensou nisso? Ou alguém, editora, fãs, leitores betas, enfim te pediram isso?
R: A referência é ao preto velho
retratado na religião africana, sim. Sua imagem, postura e função na trama
confirmam isso no decorrer da história sem ser algo explícito. Eu gosto sempre
de jogar as ideias para serem pegas pelos leitores mais atentos.
Os pedidos que me aparecem são mais
para repaginar os demais personagens do nosso folclore do que fazer uma
continuação propriamente dita. E isso vem de vários leitores. Não sei se penso
em usar meus mesmos personagens em outras histórias, mas algo bem legal que
aconteceu foi que um escritor da Suma, que terá seu livro lançado em abril,
quer fazer um crossover com o personagem dele e o Sabola. Eu adorei a ideia,
mas não posso falar nada a respeito agora.
6-Agora nos conta um pouco sobre suas
outras obras. Esse é seu terceiro livro, né? Conte um pouquinho para a galera
sobre esses outros livros; conte-nos um pouco também sobre seus outros
projetos, como cineasta premiado, diretor, roteirista, escritor... Você vem
sendo considerado uma grande renovação na produção de filmes no Brasil. Andei
dando uma pesquisada e o seu primeiro longa-metragem “Condado Macabro”, que foi
lançado em 2015, está nos representando muito bem, não somente aqui no país mas
no exterior também. Como está sendo isso tudo para você, esse retorno, o
reconhecimento pelo seu trabalho duro e como tudo começou? E quais as dicas que
você deixa para aqueles que, como você, estão correndo atrás de seus sonhos e
com um imenso desejo de ver o seu trabalho reconhecido?
R: Culpo os obstáculos do cinema por
eu ter me tornado um escritor. Minha grande paixão, desde pequeno, sempre foi a
sétima arte. Acabei me formando em cinema e atuo até hoje no ramo. Todas as
histórias que escrevo surgem primeiro como roteiros cinematográficos. Mas como
são complicados de conseguir patrocínio, adapto e mando para as editoras. Foi
assim com o meu primeiro livro. O "À Sombra da Lua" é um projeto de
cinema, ou série para a TV, de orçamento muito alto. Quando percebi que
demoraria para chegar no público, reescrevi como romance. Tenho um carinho
especial por esse livro. Ele foi aceito pela Rocco e indicado ao Jabuti de Melhor
Romance em 2013. Há planos futuros bem concretos pra esse título, inclusive uma
continuação. Meu segundo texto publicado foi a versão para as prateleiras do
"Condado Macabro". O editor da Simonsen estava na sessão durante uma
Mostra em São Paulo e me procurou. Ele já me conhecia pelo primeiro livro e
gostava muito do roteiro do Condado. Foi publicado junto com a estreia nos
cinemas. Também há novos planos para ele, mas não tão concretos.
No cinema, minha carreira é bem
diferente. É mais voltada à crítica que ao mercado. Em 2001 ganhei meu primeiro
Kikito no Festival de Gramado com o curta "Vídeo Sobre Tela" e depois
em 2007 com o "O.D. Overdose Digital". Mas o curta
"Uninverso", de 2004, foi meu filme de maior destaque em festivais,
rodando o mundo em mostras, sendo exibido em alguns canais de TV pela Europa e
ganhando várias premiações. Meu primeiro longa saiu em 2015 e não esperava a
repercussão. Foi um trabalho feito sem grana, sem grandes intenções, mas que
acabou sendo vendido para vários países e está até hoje na grade da rede
Telecine, além de estarmos negociando com a Netflix. E este ano sai o
"Histórias Estranhas"; um longa antologia que faço parte com o
segmento "Apóstolos".
A dica é a mesma de sempre: nunca
desistir. Você precisa persistir no que quer. Na maioria das vezes o mercado
tentará destruir seus sonhos, te colocar lá pra baixo e ele faz muito bem essa
função. São muitas derrotas consecutivas para se ter uma vitória. Só que para
os outros, que estão vendo tudo de longe, só aparece a parte boa.
Se você quer ser um escritor,
continue escrevendo e enviando seus originais para todas as editoras possíveis
que recebam seu gênero. Revise sempre, mande para amigos darem opinião, aceite
as críticas, reescreva e mande. Lembre-se que o “não” você já tem. Tudo que
vier diferente disso é lucro.
Para cinema é um pouco mais
complicado porque é um ramo caro. Se você não tem como investir tempo e
dinheiro nas suas obras, seria bom participar de outros filmes e ir conhecendo
uma equipe que trabalharia de graça com você por amor ao projeto. E a partir
daí ir crescendo, buscando editais, patrocínio... Também é importante estudar a
parte técnica. Existem alguns detalhes que precisam ser respeitados para não
criar algo amador que não terá chances de ingressar no mercado.
7-Que novidades podemos esperar para
2018?
R: Já no começo do ano será
publicado, também pela Faro Editorial, o meu quarto livro. Ainda não estou
autorizado a revelar o título, mas é um estilo diferente de todas as minhas
histórias anteriores. Ainda é de terror, mas sem violência gráfica. É sobre o
retorno de um jovem a uma casa que ele acreditava ser assombrada quando era
mais novo. Ele volta para confrontar o medo, buscando indícios de que tudo não
passava de imaginação infantil, até rever a criatura certa noite e ela começar
a assombrar o seu irmão mais novo.
É um texto diferente dos que já
escrevi. Poucos personagens, um único cenário, mais curto...Ele traz uma
discussão muito forte sobre traumas, família e adolescência. Seria um tipo de
livro Young Adult, só que de terror. O miolo está espetacularmente
lindo, com duas cores e várias ilustrações. Deve sair em abril e é outro
trabalho que estou muito orgulhoso. A Letícia Spiller, que fará uma das
personagens na versão para o cinema, escreveu a frase da capa.
Marcos, o Você não pode deixar de
ler, assim como eu desejamos muito sucesso em sua jornada, estaremos de
camarote acompanhando todas essas novidades e curiosíssima para ver o que Abril
nos aguarda!
Foi um prazer bater esse papo contigo e espero que seja o início
de uma longa amizade. Mais uma vez parabéns pelo belíssimo trabalho!
Lindaiá Campos
#vcnpdeixardeler
Curiosidades
Em 2018 o primeiro livro publicado
por Monteiro Lobato, intitulado “O Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito”,
completará 100 anos de seu lançamento.
A obra começou a ser concebida em
1917, quando Monteiro lobato propôs aos leitores do “Estadinho”, suplemento do
jornal O Estado de S. Paulo, do qual era colaborador, que enviassem cartas
contando tudo o que soubessem ou tivessem ouvido falara sobre o mito do
Saci-Pererê.
Especificamente, tratava-se de um
pequeno questionário (um inquérito) que as pessoas deveriam responder e enviar
ao jornal.
O inquérito recebeu dezenas de
respostas, que apresentaram tons variados. Muitas traduziam uma nostalgia de
infância passada em fazendas do interior de São Paulo e Minas Gerais, outras
atribuíam a crença no Saci à ignorância da população rural. Havia também
referências a outras lendas brasileiras, como a mula-sem-cabeça e o boitatá.
A primeira edição da obra foi lançada
em 1918. O livro foi Autopublicado e para financiar a tiragem inicial de 2000
exemplares; Lobato acrescentou anúncios publicitários desenhados por Voltolino,
nos quais o Saci apresentava e recomendava diversos produtos.
Monteiro Lobato, porém não assinou a
obra como autor, considerando que o seu papel havia sido apenas de editar os
textos que recebera.
Você conhece outros contos diferentes
do de monteiro Lobato, do Escravo de Capela? Deseja ou já escreveu um conto
sobre ele?
Envie o seu conto para nós e concorra
a um kit exclusivo e seu conto será publicado no nosso blog!